Três Regras de Segurança nas Parcerias de Focusing

Por Ann Weiser Cornell
Tradução por João Fonseca

Adaptado de um artigo de Ann Weiser Cornell da newsletter The Focusing Connection, Janeiro de 2000.
Traduzido e adaptado por João da Fonseca

1. Nunca, nunca, mas nunca se prenunciem sobre o conteúdo da sessão de Focusing da pessoa, mesmo depois da sessão ter chegado ao fim, a não ser que o Focuser traga o assunto à baila.

Este ponto é deveras importante. Muitas parcerias de Focusing acabaram por causa disto. Um comentário presumivelmente inocente ou bem-intencionado, pode comprometer a segurança da parceria para ambas as pessoas. E é tão tentador fazer isso! Temos de ser realmente claros e conscientes com este ponto, porque a coisa que mais facilmente sairá da nossa boca, será provavelmente algo que irá violar esta regra. De facto, os nossos hábitos estão milhares de vezes mais enraizados em contextos sociais que são opostos ao Focusing, do que em contextos efectivos de Focusing. E que mal é que isso pode fazer? A resposta é: Muito.

Tomemos como exemplo um momento em que o teu parceiro está a fazer Focusing sobre sentimentos relacionados com uma discussão que teve com a mulher. Durante a sessão tu segues escrupulosamente as directrizes e vais reflectindo para o teu parceiro os seus sentimentos e respectivos pontos de vista, sem colocares as tuas opiniões pelo meio. Mas depois da sessão terminar, enquanto estão ainda sentados ou a levantarem-se para se irem embora, ou na cozinha a partilharem uma chávena de chá, dás por ti a dizer, “A tua mulher é mesmo uma pessoa difícil”. O que achas que acontece depois? Bom, da próxima vez que o teu parceiro queira focar nesse assunto ou noutro semelhante, vai haver um enviesamento. Uma parte dele pensa que te pode convencer a vir para o lado dela. E a outra parte do teu parceiro pode sentir-se insegura, como se sentisse que tu tomaste partido de um lado e não do outro. Tu aí demonstras parcialidade, tornas-te tendencioso, e isso cria um espaço relacional inseguro.

Pode ser ainda pior se o teu comentário aparentemente acidental implique alguma forma de julgamento ou crítica do Focuser, como por exemplo: “Eu nunca admitiria o tipo de coisas que tu aturas com a tua mulher”. Agora a tua parcialidade inclui um julgamento do Focuser e o espaço é ainda menos seguro para o Focusing.

E o pior dos casos são os conselhos. Dar conselhos sem que os mesmos tenham sido pedidos implica ao mesmo tempo a existência de um julgamento e uma quebra de confiança. Pensa nisso! Quando dizes “Porque é que não tentas…” ou “Já pensaste sobre…” ou “O que eu faria se tivesse no teu lugar seria…”, o que estás a dizer no fundo é que não acreditas na capacidade da pessoa para lidar com a situação, a não ser através de um conselho teu. Será que é nisso que realmente acreditas? Talvez tenhas de fazer um Focusing sobre isso mas com um outro parceiro!

Contudo, as coisas são bem diferentes se o conselho nos for pedido. “O que pensas?” ou “O que é que tu farias?” são convites claros para darem a vossa opinião. O problema para mim (e não me estou só a referir às parcerias de Focusing) é que muitas pessoas ouvem a expressão de um problema como se isso fosse um pedido de ajuda ou de conselho. O sr.Y estava a falar sobre a dor no seu pulso durante uma sessão de Focusing e o seu companheiro o sr.Z, após o término da sessão, começou a questionar, “Já tentaste ortobionomia? Eu posso dar-te o nome de um especialista muito bom”. Não há dúvidas que o Sr. Z tinha a melhor das intenções. Mas a quebra de segurança nesta intrusão teve um custo maior do que o possível ganho advindo de um bom conselho. O Y tem muitas pessoas a quem dar conselhos, mas poucos parceiros de Focusing.

Não interessa o modo como conheceste o teu parceiro, pode já ser um amigo teu como pode ser alguém que conheceste num workshop. Esta relação próxima vai naturalmente começar a parecer-se com uma amizade. Mas com isso pode haver uma quebra entre as regras e os meandros relativos à amizade, e as regras mais sérias de uma parceria de Focusing. Talvez seja bom reconhecer o potencial para o conflito dentro de ti, a parte de ti que deseja a fluidez e leveza de uma amizade regular, e a parte de ti que deseja a segurança de uma parceria de Focusing. Os amigos expressam opiniões e dão conselhos (embora mais vezes do que seria necessário!), os amigos partilham histórias de experiências similares. Terás de perguntar a ti mesmo, se o sentimento de descontracção de uma amizade não estruturada com essa pessoa justifica o risco de se perturbar a parceria de Focusing? Eu diria que não, não vale a pena o risco. Um bom parceiro de Focusing não é assim tão fácil de encontrar!

“O que faço se o meu parceiro começar a prenunciar-se sobre o conteúdo da minha sessão e eu ficar desconfortável com isso?”

Se apanhares isso no momento em que acontecer, poderás dizer algo como, “Dá-me a sensação que estás a falar sobre o conteúdo da minha sessão, e eu sei que és bem intencionado mas eu gostaria de ter algum espaço em relação a isso”, ou “…mas eu gostava de deixar isso em paz por agora”.

Se, como acontece na maioria das vezes, apenas te aperceberes mais tarde do teu desconforto sobre os comentários do teu parceiro, essa situação vai ser um pouco mais melindrosa. Poderás perguntar-te, dentro de uma postura de Focusing, se o teu sentido de segurança com o teu parceiro precisa de trazer esse assunto à baila. Se não, poderás simplesmente endereçar isso quando voltar a acontecer. Mas se precisares mesmo de trazer isso à baila, poderás dizer, “Lembras-te da última vez quando estávamos a falar depois da sessão, e tu disseste, “Eu nunca admitiria as coisas que tu aturas da tua mulher”…? “É que eu apercebi-me mais tarde de que senti-me como se tivesses a comentar sobre o conteúdo da minha sessão, e eu gostaria de te fazer o pedido de não comentarmos os conteúdos das sessões a não ser que o Focuser peça isso. Será que podemos concordar com isto?”. Existem dois pontos chave nisto (com consideração pelo trabalho do Marshall Rosenberg sobre Comunicação Não-Violenta, embora eu não siga exactamente o seu sistema). O primeiro é fazer notar, da melhor maneira que a tua habilidade permitir, exactamente aquilo que o teu parceiro disse, em oposição a algo como: “Lembras-te da última vez quando estávamos a falar depois da sessão e tu criticaste a minha relação?”. O segundo é lembrares-te que o teu parceiro foi bem-intencionado e isto não é para julgares de errado o seu comportamento, mas para o avisares de que gostarias de ter algo diferente no futuro.

“E se o meu Companheiro[i] ficar activado com o material do Focuser?”

Primeira resposta: Óptimo! Que bela oportunidade!

Segunda resposta: Como Companheiro, és responsável pelos teus próprios sentimentos e reacções, obviamente. És uma pessoa real, não és invulnerável a momentos marcantes, que te tocam, abanam ou mexem contigo enquanto o Focuser faz o seu processo. Mas esses sentimentos e reacções são teus. Eu recomendo que tu digas “Olá, eu sei que estás aí” de forma silenciosa, a qualquer sentimento teu que venha ao de cima enquanto escutas o Focuser. Mas isso pode não ser suficiente. Não há necessidade de os partilhares. Na verdade, é melhor que isso não aconteça, nem mesmo depois da sessão ter terminado. Eles pode sempre vir a implicar com o conteúdo do vosso parceiro.

Se tu fores a seguir, pode haver uma maneira de te focares sensivelmente nos assuntos que foram activados enquanto escutavas o Focuser. Se te realmente apropriares deles, ao invés de considerares como sendo uma coisa “sobre” o teu parceiro, então não haverá problema. Se tiveres em dúvida podes verificar juntamente com o teu parceiro se, após descreveres brevemente o que queres trabalhar, isso não virá de alguma maneira a perturbar o vosso espaço. Este tipo de trabalho inspirado numa mutualidade pode ser muito compensador para ambas as pessoas.

Os tipos mais perigosos de “activação emocional” são aqueles que tu nem te apercebes, por isso em vez de assumires a responsabilidade pelas tuas reacções, elas vão surgir-te como críticas, julgamentos (sobre o Focuser ou sobre outras pessoas que estão na vida do Focuser), conselhos ou comportamentos de salvamento. Há pouco referi que dar conselhos é muitas vezes um resultado de hábitos sociais ou porque erroneamente acreditas que te está a ser pedida ajuda. Agora, a urgência de dar conselhos, salvar, ajudar ou julgar, podem vir de um local em ti que está a ter dificuldade em ficar com o processo do Focuser. Fica alerta para a urgência de ajudares, resolveres ou salvares as coisas. Estas urgências podem ser sinais preciosos de que há algo em ti que precisa de companhia.

2. Lembra-te que a sessão pertence ao Focuser. Não é tua responsabilidade como Companheiro/Guia/Aliado fazeres algo de bom acontecer com o Focusing deles, ou até mesmo de fazeres questão de eles estarem mesmo a fazer Focusing.

Isto costuma acontecer com frequência: Nós acabávamos o nível 1 de Focusing com uma turma, e as pessoas voltavam às suas vidas e começavam a praticar com os seus parceiros. Algum tempo depois eu começava a receber telefonemas a dizer: “Eu não tenho a certeza que o meu parceiro esteja a fazer Focusing. O que posso fazer em relação a isso?”.

A minha resposta: “Nada. Não há nada que possas ou devas fazer sobre isso. O Focusing em si é da responsabilidade do teu parceiro. Estás lá para o escutar, para conter o espaço, para estares presente. Apenas isso, mais nada”.

Fiquei cansada das chamadas, procurei ver isto de modo inteligente, e agora ensino este aspecto no meu curso. O foco da responsabilidade entre os parceiros de Focusing é o seguinte: quando alguém está a fazer Focusing, a sessão é dessa pessoa, pertence a ela. É o seu tempo, o seu momento. Se eles o quiserem usar para fazer um brainstorm, para estabelecer metas para a vida ou para meditarem, então isso é com eles. Apenas perguntem-lhes como desejam que vocês estejam com eles. E assim não tem de se preocupar com o vosso papel.

“Eu fico aborrecido quando o meu parceiro conta histórias longas sobre outras pessoas. Fico sempre à espera que eles tenham um felt sense”.

Estamos aqui perante um paradoxo. Por um lado, ensinamos que aquilo que realmente produz mudanças no Focusing é uma atitude de curiosidade interessada em relação ao felt sense. Por outro lado, dizemos que a sessão pertence ao Focuser, e seja o que for que eles fizerem nós fazemos companhia a isso. Como resolver isto? Que tal experimentarem o seguinte: e se vocês realmente soubessem, se realmente confiassem, que as histórias do vosso parceiro são uma pequena parte de um processo holístico? Ficariam ainda aborrecidos? Se calhar assim não iriam melindrar-se tanto, relaxavam mais e testemunhavam com curiosidade e interesse, o desenrolar desse processo.

Existe uma forma legítima de influenciar o Focusing do vosso parceiro, ou seja, quando for a vossa vez, façam um óptimo Focusing para vocês mesmos. Se os vossos parceiros não estiverem a tirar satisfação dos seus processos e começarem a reparar nos ganhos que vocês estão a ter, eles eventualmente mudarão. Ao seu tempo, e à sua maneira.

3. Dividam os vossos tempos de maneira igual.

Eu tive uma maravilhosa parceira semanal de Focusing que durou 14 anos. Nos primeiros onze anos aproximadamente, eu ia de carro até a casa dela, desligava a ignição e pensava para mim, “É pena que esta noite não vá acontecer nada de especial para mim”. Semana após semana, sem excepção, aquele mesmo pensamento surgia-me, mesmo que, semana após semana e sem excepção, eu tivesse sessões de Focusing em que algo realmente emergia e se desvelava, trazendo-me muitos insights e alívio (mesmo que tenhamos confiança no processo de Focusing, não temos necessariamente de confiar nos pensamentos que nos surgem antes de ele começar!).

Se eu e a minha parceira não tivéssemos uma regra, “Dividir o nosso tempo de maneira igual”, eu poderia ter tido a tentação de dizer a ela, “Hoje não preciso de fazer Focusing, porque é que não ficas tu com o tempo todo”. E isso teria sido, como eu espero que vocês compreendam, profundamente enfraquecedor para a relação da nossa parceria. Também teria sido uma pena, pois eu teria perdido todas aquelas grandes sessões.

As pessoas são todas diferentes. Algumas tem muita coisa a acontecer, na maior parte do tempo. Nós chamamos a isso (aprendi com os meus primeiros professores de Focusing, Elfie Hinterkopf e Les Brunswick) de “Processo Próximo”. Outras pessoas, como eu, costumam pensar que nada lhes vai acontecer. A isso chamamos de “Processo Distante”. Ambos estes tipos de pessoas podem e conseguem usufruir muito do Focusing. Podem também ganhar muito sendo parceiras uma da outra. Mas a pessoa com Processo Distante não deve, e eu repito o não, ficar tentada em dar o seu tempo à pessoa de Processo Próximo só porque esta parece precisar mais. Elas não precisam. Toda a gente precisa de Focusing (Para além disto, uma pessoa que esteja zangada ou esteja a passar por uma fase difícil, pode ganhar muito em ser o Companheiro, um sentimento de centramento, de auto-estima por poder estar ali a apoiar alguém…).

“Tempos iguais” pode significar que é igual em tempo, ou simplesmente igual em oportunidade. Por exemplo, se duas pessoas estabelecem o acordo de que cada uma irá fazer Focusing o tempo que desejar, então isso é ser igual, mesmo que uma sessão dure 40 minutos e a outra 10 minutos. Inclusivamente, os turnos não precisam de ser feitos ao mesmo tempo: algumas parceiras fazem acordos em que durante uma semana é a vez de um, e na outra semana é a vez do outro. Tudo bem. Também não há problema quando um de vocês quer começar sempre primeiro e o outro em segundo. A única coisa que não está bem é não haver turnos, pois isso altera a relação de poder da parceria, marcando uma pessoa como “carente” e a outra como a “dadora”. Prescindires dos teus turnos não vai abonar na confiança, seja em relação ao outro, seja em relação ao teu próprio processo. Confia, e toma a tua vez.

Do outro lado da moeda, se tu fores o parceiro com o Processo Próximo, procura ser escrupuloso com a necessidade de encontrares um espaço interno confortável para parares a tua sessão, quando o intervalo de tempo acordado entre vocês chegar ao fim. Se tiveres repleto de sentimentos, vais ter a tentação de ires além do tempo, em especial se tiveres a desfrutar do espaço que o teu parceiro te estiver a dar. Não faças isso. É uma espécie de perigosa indulgência porque, não da primeira vez, nem talvez da segunda, mas se for recorrente acabas por te tornar na pessoa “carente” e eu garanto-te que não vais gostar de sentir isso. A não ser que tenhas mesmo a certeza que a outra pessoa está descontraída em relação a isso, tal como tu estás, é melhor respeitar os limites acordados. Isso é uma parte integral dos “cuidados” de um parceiro de Focusing.

É claro que não somos máquinas e será esperável poder renegociar os acordos de tempo quando necessário. Se eu der um aviso de dois minutos para o fim e o meu parceiro me disser, “Parece que isto precisa de mais cinco minutos, está ok para ti?”, eu vou-me sentir muito melhor se me perguntarem desse modo, do que se o meu parceiro ultrapassar o tempo sem me perguntar. Também me vou sentir melhor se uma coisa desse género me for perguntada de vez em quando, como um pedido especial, do que se for frequentemente. Mas outras pessoas poderão ter uma opinião diferente em relação a isto. A chave passa por respeitar as necessidades do teu parceiro, bem como as tuas.